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Almahata Sitta: O meteorito incomum

O meteorito Almahata Sitta é peculiar em diversos aspectos, que vão desde a sua

composição até a sua história

Se você já assistiu ao filme Armageddon, então, provavelmente, já teve uma leve sensação do que é descobrir ter um asteroide viajando em direção à Terra com grandes probabilidades de colisão. No filme, para salvar a humanidade, uma missão espacial foi enviada para colocar uma bomba nuclear no asteroide e, assim, salvar milhões de vidas. Ainda bem que este não é o caso da nossa história de hoje, que ao contrário do Armageddon, felizmente o asteroide 2008 TC3 atingiu a Terra e nos presenteou com um meteorito muito especial e raro, o Almahata Sitta. A parte do “felizmente” será entendida já, já!


Fragmentos do meteorito Almahata Sitta, originado do asteroide  2008 TC3. Fontes: meteor-center.com e meteoritestudies.com

Fragmentos do meteorito Almahata Sitta, originado do asteroide 2008 TC3.

Fontes: meteor-center.com e meteoritestudies.com

No nosso post anterior, falamos sobre o asteroide 2008 TC3, que foi descoberto 21 horas antes de atingir a Terra e primeiro a ser monitorado antes de se tornar um meteorito nomeado de Almahata Sitta, que pela tradução significa Estação 6. Seguindo exatamente a previsão e os cálculos feitos a cada hora, o asteróide entrou em nossa atmosfera no dia 7 de outubro de 2008 às 02:46 UTC, onde testemunhas avistaram um bólido brilhante cruzar o céu ao longo do Vale do Nilo, próximas à Waldi Halfa e a Estação de Trem 6 no Deserto da Núbia, situado na região oriental do deserto do Saara entre o Rio Nilo e o Mar Vermelho.


O Almahata Sitta é um tipo raro de meteorito, chamado de ureilito. Além do detalhe de sua raridade, ele ainda foi classificado como um anômalo de ureilito, por ter características incomuns, tornando, assim, esse evento de detecção do asteroide e a queda assistida do meteorito ainda mais importante. Entenderam agora o porquê do “felizmente” ele atingiu a Terra e chegou até nós??? Continuando a história, vamos entender um pouquinho mais sobre sua composição e classificação, que o tornou tão especial para a Ciência Meteorítica!


Como explica Elizabeth Zucolotto em seu livro Decifrando os Meteoritos (2013), os ureilitos eram chamados antigamente de órfãos, pois não eram compatíveis com a maioria dos meteoritos. O primeiro desse tipo foi o meteorito Novo Urei que caiu na Rússia, em 1886, e deu nome a essa nova classificação. Eles geralmente são rochas ígneas compostas por minerais como as olivinas, clinopiroxênios (pigeonita), ferro-níquel metálico e sulfeto de ferro (troilita). A maioria dos ureilitos não possui o mineral feldspato, muito comum em meteoritos do tipo condritos e acondritos provenientes da Lua, Marte e do asteroide 4-Vesta. Uma das características mais marcantes nesse tipo de meteorito é a presença de um material opaco negro, rico em carbono, preenchendo os espaços entre os grãos de minerais.


No meteorito Novo Urei foram encontrados diamantes, que reforça a ideia de que o corpo parental, que deu origem a este meteorito, tenha sofrido eventos violentos de choque com outros corpos no espaço, isto porque o carbono inorgânico na forma estrutural de grafite se transforma em diamante quando submetido à elevadas pressões.


Em relação ao Almahata Sitta, baseado na sua química, mineralogia e propriedades físicas, sua classificação oficial é de um meteorito acondrito primitivo, do grupo ureilito, porém anômalo e polimítico. Durante as buscas por fragmentos, amostras muito heterogêneas foram encontradas, embora se tratasse dos restos do mesmo asteroide, ou seja, ao contrário de qualquer queda de meteorito conhecida anteriormente, seus espécimes não eram do mesmo tipo.


Após estudos, concluiu-se que, aproximadamente 70 a 80% dos fragmentos recuperados eram ureilitos de diferentes tipos (acondritos ultramáficos ricos em carbono que representam o manto residual de um asteroide), enquanto 20 a 30% eram de várias classes de condritos (meteoritos oriundos de asteroides mais primitivos do que os ureilitos) dos mais diferentes tipos, incluindo diversas classes (enstatita, ordinários, carbonáceos e rumuruti), grupos e subgrupos. Por esta razão o Almahata Sitta é classificado como polimítico, que significa ter vários fragmentos de rochas distintas (diferentes litologias) compondo o mesmo meteorito. Sobre sua característica anômala, a maioria dos fragmentos recuperados era de ureilitos de uma ampla gama de tipos, alguns anormalmente porosos, possuindo entre 10 a 25% de porosidade, em comparação com os ureilitos conhecidos.

O Corpo Parental do 2008 TC3

Um estudo da Escola Politécnica Federal da Cidade de Lausanne (EPFL), na Suíça, publicado na revista Nature Communications, concluiu que o asteroide 2008 TC3 era parte de um “planeta perdido” que existiu nos primórdios do Sistema Solar. Estima-se que o protoplaneta ao qual pertenceu deve ter existido há bilhões de anos, antes de se partir por uma colisão. Outro estudo mais recente, de 2018, sugere que o tamanho relativamente grande dos cristais de diamante mostra que o Almahata Sitta veio de um corpo parental que tinha entre o tamanho da Lua e de Marte, que foi catastroficamente interrompido por um impacto durante os primeiros dez milhões de anos do Sistema Solar.


No entanto, pelo fato do asteroide ter sido desintegrado, pode-se inferir que o 2008 TC3 era um asteroide heterogêneo, no qual seus pedaços estavam tão vagamente ligados que se separaram na atmosfera e caíram na Terra como rochas individuais. Dessa maneira, a descoberta reforça a teoria de que os planetas do atual Sistema Solar foram criados com restos de dezenas de grandes protoplanetas ou planetas embrionários. A seguir, uma pequena ilustração para ajudar a entender como, possivelmente, foi formado o asteroide que deu origem ao meteorito Almahata Sitta.

A ilustração mostra uma possível história da origem dos meteoritos de Almahata Sitta, feita por Jason Herrin, do Centro Espacial Johnson da NASA. Os pesquisadores propõem que a história comece com um corpo parecido com condrito carbonáceo, que foi aquecido e parcialmente derretido. Este corpo quente foi esmagado em pedacinhos por um grande impacto cujos destroços esfriaram e foram misturados com pedaços de outras colisões de asteroides. Esses pedaços foram reagrupados, reunidos como uma pilha de “rochas” de todos os tipos de materiais. Impactos adicionais expulsaram alguns fragmentos dessa pilha de rochas, enviando nosso asteroide 2008 TC3 pelo espaço e, eventualmente, pela atmosfera da Terra, onde se separou e se espalhou no deserto da Núbia. Modificado: Martel, 2010 (psrd.hawaii.edu)

Outros Asteroides Rastreados

Depois do Almahata Sitta, mais 2 asteroides foram descobertos pelo mesmo Richard Kowalski, no Catalina Sky Survey, horas antes de impactarem com a Terra. O segundo, após a queda do 2008 TC3, foi o asteroide 2014 AA, um pequeno objeto, com aproximadamente 2 a 4 m de diâmetro, que impactou com a Terra em 02/01/2014, mas foi descoberto no dia anterior. O 2014 AA entrou na atmosfera da Terra por volta das 04:02 (UTC) a cerca de 3.000 km de Caracas, na Venezuela, longe de terra firme, impossibilitando a recuperação de fragmentos. Infelizmente, nenhum navio ou aeronave relatou avistar tal evento. O terceiro corpo natural a ser observado antes de entrar em nossa atmosfera foi o asteroide 2018 LA, que caiu em 02/06/2018 e foi descoberto 8 h antes de colidir com a Terra. Com diâmetro entre 2 a 3 m, a estimativa de entrada na atmosfera foi por volta das 16:40 UT sobre Botswana, país no sul da África, onde os fragmentos de meteoritos resultantes dessa queda foram encontrados dias depois na Reserva de Caça Central do Kalahari (CKGR). Até a data desta publicação (23/06/2020), não foi encontrado o meteorito referente a esta queda registrada no banco de dados on-lineMeteoritical Bulletin Database – administrado pela comunidade meteorítica internacional (The Meteoritical Society).


Essas predições, relativamente dramáticas, de um impacto real destacaram a evolução bem-sucedida do processo de descoberta e previsão de órbitas do Programa de Objetos Próximos à Terra (NEOs), da NASA. Como visto nesses relatos, após as primeiras observações, cálculos de órbita e impacto foram determinados, verificados e anunciados muito antes do impacto. Embora ainda sejam necessárias melhorias no processo de prognóstico, o sistema de monitoramento e previsão se mostrou eficiente e importante para manter a segurança da Terra e de seus cidadãos.


Eventos desse tipo, principalmente envolvendo objetos de grandes proporções, podem ser catastróficos para uma região ou cidades inteiras, porém, se previsíveis e minuciosamente calculados, com certeza irão salvar vidas no futuro, além de possibilitar a recuperação mais fácil desses corpos celestes que chegam até nós, de fato. Por isso a importância fundamental de se recuperar e estudar os meteoritos, pois eles são “mensageiros do espaço” que continuam a nos fornecer informações valiosas, que nos dizem tanto sobre a formação do nosso Sistema Solar quanto do nosso Universo!



Leituras Complementares:


Goodrich, C. A.; Bischoff, A.; O’Brien, D. 2014. Asteroid 2008 TC3 and the Fall of Almahata Sitta, a Unique Meteorite Breccia. Revista Elements. 10:31-37.


Goodrich, C. A.; Zolensky, M. E.; Fioretti, A. M.; Shaddad, M. H.; Downes, H.; Hiroi, T.; Riebe, M. E. 2019. The first samples from Almahata Sitta showing contacts between ureilitic and chondritic lithologies: Implications for the structure and composition of asteroid 2008 TC 3. Meteoritics & Planetary Science, 54(11):2769-2813.


Jenniskens, P. A.; Shaddad, M. H.; Numan, D.; Elsir, S.; Kudoda, A. M.; Zolensky, M. E.; Steele, A. 2009. The impact and recovery of asteroid 2008 TC 3. Nature, 458(7237):485-488.


Jenniskens, P.; Vaubaillon, J.; Binzel, R. P.; DeMEO, F. E;, Nesvorný, D.; Bottke, W. F.; Vernazza, P. 2010. Almahata Sitta (= asteroid 2008 TC3) and the search for the ureilite parent body. Meteoritics & Planetary Science, 45(10‐11):1590-1617.

Zucolotto, M. E.; do Carmo Fonseca, A.; Antonello, L. L.; Monteiro, F. A. 2013. Decifrando os Meteoritos. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional.


 
 
 

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